O silêncio imposto: como a homofobia retira jogadores LGBT+ do cenário competitivo nos games

No universo dos jogos competitivos, especialmente nos ambientes online de FPS como Valorant, CS2 ou LoL, há uma regra não escrita, mas amplamente praticada: jogadores homossexuais são tolerados apenas enquanto estiverem calados, invisíveis e submissos. Basta um tom de voz fora do padrão considerado “masculino”, uma entonação mais expressiva, ou uma observação estratégica feita por alguém que claramente não performa a heteronormatividade, para que surjam o deboche, a rejeição ou o ataque direto.

Esse comportamento não é pontual — é sistêmico. Existe um pacto silencioso entre jogadores, dos mais simples aos mais tóxicos, para excluir, reprimir ou ridicularizar qualquer presença abertamente LGBT+ nos lobbies, nas calls e nas equipes. Essa exclusão não vem sempre em forma de xingamentos diretos — embora eles também sejam frequentes —, mas em gestos de silêncio coletivo, desprezo tático, abandono de partidas, ou simples ignorar uma call feita por alguém “errado”, por não ter a voz, o gênero ou o comportamento que se espera em um líder de equipe.

O que acontece contigo, Filipe — a tensão de sequer conseguir ligar o microfone, o medo de sugerir uma estratégia por saber que ela será tratada como uma afronta, o fato de que um erro teu é motivo para ataques enquanto outros erram impunemente — é a experiência cotidiana de milhares de jogadores LGBT+ nos jogos online. Essa repressão constante leva muitos a se isolarem, abandonarem partidas ranqueadas, silenciarem o microfone, e em última instância, deixarem o cenário competitivo, porque o custo emocional de jogar não compensa mais.

É como se houvesse uma vigilância constante: o jogador homossexual precisa provar o tempo inteiro que tem capacidade, que tem paciência, que sabe se comunicar — e mesmo quando prova, continua sendo atacado. Há um limite invisível que ele nunca pode ultrapassar: o limite da presença legítima. Quando se manifesta, mesmo que com educação e espírito de equipe, é interpretado como “arrogante”, “forçado”, “chato”. Já quando um jogador hétero faz o mesmo, ele está sendo apenas estratégico.

Essa desigualdade de cobrança é um reflexo direto da homofobia estrutural. Não é que “só” xinguem, ou “só” excluam. É que há uma recusa profunda em aceitar que uma pessoa LGBT+ ocupe um lugar ativo na partida, que seja capaz de liderar, corrigir ou propor uma jogada. O que está em jogo não é a qualidade do jogo — é a manutenção de um poder simbólico, onde só certos tipos de masculinidade são permitidos. O resto é silenciado.

E é nesse ponto que o impacto se torna coletivo. Quando a comunidade gamer afasta pessoas por serem diferentes, ela não só prejudica essas pessoas, mas empobrece o próprio cenário. Menos diversidade significa menos criatividade tática, menos vozes colaborativas, menos pluralidade de pensamento. E mais do mesmo: um ambiente previsível, hostil e cada vez mais fechado sobre si mesmo.

Estudos e relatos têm apontado isso com frequência. Um levantamento da Anti-Defamation League (ADL) nos EUA mostrou que mais da metade dos jogadores LGBT+ já foram assediados em jogos online. O Gayming Magazine frequentemente destaca como o medo de retaliação afasta criadores de conteúdo, jogadores ranqueados e até profissionais do e-sport. E mesmo em comunidades com discursos “inclusivos”, o que se vê na prática é uma aceitação condicionada: desde que o jogador LGBT+ não “pareça demais” com o que é.

A verdadeira inclusão não é apenas permitir que alguém jogue — é permitir que essa pessoa participe, fale, erre, critique, pense o jogo com liberdade e respeito. E isso ainda está muito distante do que vemos hoje.

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