A rivalidade entre divas pop e o futebolismo enrustido da cultura gay

Não há nada mais antiquado do que a rivalidade entre divas pop. E, ironicamente, quem a perpetua com mais fervor é justamente quem mais sofreu historicamente com a necessidade de se provar superior: os próprios homossexuais.

Em vez de se libertar do modelo de masculinidade tóxica, que transforma tudo em competição, que valoriza quem “vence”, quem tem mais, quem conquista troféus, a comunidade gay — ou parte dela — simplesmente trocou o campo de futebol pelo palco do pop. Onde antes se gritava por um clube, hoje se grita por charts. Onde se colecionavam gols, agora se colecionam #1s. O uniforme agora é uma capa de álbum.

E o que há de mais triste nisso é que esse comportamento não tem nada de libertador. É apenas a repetição do mesmo jogo de dominação simbólica, agora com glitter.

Enquanto mulheres artistas constroem legados com trabalho, reinvenção e sensibilidade, há fãs brigando na internet como se estivessem em uma arquibancada imaginária, tentando provar quem é “maior” com base em números de stream, alcance de turnê, prêmios ou posições no Hot 100. Como se qualidade artística pudesse ser resumida em dados brutos e como se arte fosse uma olimpíada.

Esse comportamento não apenas empobrece o debate, como anula o valor subjetivo da arte, que não foi feita para ser medida, comparada ou monetizada emocionalmente. A arte pop — especialmente aquela feita por mulheres — nasceu como resistência, como linguagem política, como linguagem da alma. Reduzi-la a números é um desserviço.

A carência por pertencimento e o uso do sucesso como escudo

Muitos gays não defendem artistas — defendem a própria autoestima projetada nesses artistas. Por isso reagem com agressividade quando alguém questiona sua diva favorita. Não é sobre a música, é sobre si mesmo. É a busca por validação através de um símbolo de poder. É a criança afeminada, ridicularizada na escola, que agora usa uma mulher poderosa como armadura — e passa a atacar com a mesma violência que um dia recebeu.

Mas essa lógica é perversa. Porque transforma arte em campo de guerra. E transforma fãs em soldados de causas imaginárias.

Desapegar dos recordes é crescer

Recordes não são irrelevantes — mas não são tudo. Se fossem, os artistas mais ouvidos da história seriam também os mais geniais — o que claramente não é verdade. Há artistas que vendem milhões e não emocionam ninguém. E há outros que mudam vidas com um disco obscuro e silencioso.

Desapegar dessa cultura é urgente. A comunidade LGBTQIA+ precisa parar de repetir o pior do que aprendeu com a cultura heteronormativa. Parar de brigar por migalhas de validação. Parar de transformar arte em disputa. Porque o mundo já nos ofereceu competição o suficiente. O que falta é espaço para admiração mútua, escuta, pluralidade e memória.

E a maior liberdade que um gay pode viver talvez não seja nem sair do armário — mas parar de querer vencer o outro a qualquer custo.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *